Fonte: Observatório de Favelas
Direitos Humanos - 08/01/2009
Ignacio Cano analisa a indignação no Rio
Em artigo escrito para o Jornal o Globo de hoje, o sociólogo e professor da Uerj Ignacio Cano compara a capacidade de mobilização popular em Atenas, na Grécia, e no Rio de Janeiro, diante de homicídios provocados por policiais. Ele questiona a forma como se pretende acabar com a violência, que acaba causando insegurança e desrespeitando a “integridade das pessoas que supostamente se pretende proteger”.
Atenas e Rio
Por Ignácio Cano* No dia 6 de dezembro, Alexandros Grigoropoulos, de 15 anos, foi morto por disparos de policiais no bairro de Exarchia em Atenas, na Grécia. A versão dos policiais sustentou que um grupo de jovens tinha atacado eles com pedras e garrafas e que os disparos de advertência de um agente teriam ricocheteado e atingido o adolescente. Entretanto, testemunhas afirmaram que foram os policiais os que voltaram para procurar os jovens, após um desentendimento inicial, e que a provocação destes últimos teria sido apenas verbal. A indignação popular deflagrou uma onda de protestos que tomou conta do país durante semanas e que se traduziu em manifestações, greves, mobilizações estudantis, e também em atos violentos, como ataques a delegacias e estabelecimentos comerciais, com um saldo de dezenas de feridos. O Ministro do Interior apresentou a sua renúncia e o chefe do governo, Costas Caramanlis, pediu publicamente perdão ao pai da vítima e prometeu que o governo tomaria medidas para que a tragédia não se repetisse. O autor dos disparos responde processo por homicídio doloso e teve problemas para conseguir representação legal.
Dois dias antes da morte de Alexandros, Mateus Rodrigues, de 8 anos, foi morto por disparos de policiais na comunidade da Maré, no Rio de Janeiro. Mateus estava saindo para comprar pão quando foi atingido por um tiro de fuzil que pintou de vermelho a entrada da sua casa. A versão da Polícia Militar falou numa bala perdida no meio de um tiroteio com traficantes, mas parentes e testemunhas afirmaram que o único tiro disparado foi o tiro homicida. Imediatamente depois da morte, alguns moradores revoltados se manifestaram na Linha Vermelha. No dia 20, uma manifestação na Maré em homenagem a Mateus congregou um grupo de menos de duzentas pessoas.
A diferença na reação social nas duas situações tem a ver com o fato de que o caso de Alexandros é raro na Grécia, enquanto que, lamentavelmente, há muitos Mateus no Rio de Janeiro. Ninguém está propondo distúrbios populares, mas é preciso que a magnitude da indignação na Grécia nos faça reflexionar sobre a nossa indiferença e a nossa naturalização de tragédias semelhantes. Pode servir como ponto de partida o princípio de que a morte de uma criança numa intervenção policial é simplesmente inaceitável.
Obviamente, o contexto no Rio é diferente da Grécia e os policiais enfrentam aqui uma criminalidade bem mais violenta, que implica riscos e níveis de estresse muito superiores. Mas, para além dessas diferenças, cabe questionar a política do estado em relação a essa violência.
Os moradores de áreas carentes são as principais vítimas da criminalidade violenta. Por isso, e também pelo fato de que eles não têm acesso à segurança privada, o Estado deveria considerar a proteção dessas populações a sua primeira prioridade. Entretanto, as políticas tradicionais de segurança pública historicamente visaram a nossa proteção, a dos moradores do asfalto, contra os perigos provenientes das favelas. É justamente por isso que autoridades manifestaram que a morte de alguns inocentes na luta contra o crime é lamentável, mas inevitável para travar essa 'guerra'. O fato é que esses inocentes sempre tombam nos mesmos lugares, lugares em que a vida vale bem menos e o braço do estado nem sempre respeita a lei. Façamos o exercício de imaginar uma porta de uma casa no Leblon ensangüentada por um menino morto por um disparo policial. Talvez nessa outra história possamos imaginar também pedidos de desculpas de autoridades e até alguma renúncia.
Disse o nosso governador que não pode concordar com o sonho de alguns sociólogos de enfrentar a criminalidade no Rio hoje sem disparar um tiro. Somos obrigados a discordar também desses sociólogos sonhadores. A questão real que se coloca é se a política de segurança tem como objetivo a minimização dos tiroteios e, sobretudo, a proteção dos moradores de áreas violentas, ou uma suposta vitória militar sem importar o custo. Essa 'vitória' alcançada a despeito da insegurança e mesmo da integridade daqueles que supostamente se pretende proteger seria o equivalente de uma Delegacia Anti-Seqüestro que, regularmente, acabasse com a vida dos reféns junto com a dos seqüestradores.
* Ignacio Cano é sociólogo e professor da UERJ
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